PAIXÃO DE LER
Em 2023, a 31º Paixão de Ler celebra três personalidades da literatura: Luís Gama, Lima Barreto e Carolina Maria de Jesus.
Nosso objetivo é apresentar as possibilidades multifacetadas dos três autores, formando uma narrativa conjunta – não ligada pela história ou tempo de vida, mas sim pelas contribuições na formação do cidadão e sujeito leitor.
A partir deste tema central – “Imaginação, escrita e palavra: Liberdade” –, possíveis caminhos e encruzilhadas de vida e trajetória são traçados. Sendo a Liberdade o grande triunfo dos citados – mesmo com muitos atravessamentos como o racismo. A possibilidade desses encontros e trocas com a população leitora e não leitora no Paixão de Ler é, então, viabilizada.
Imaginação
A imaginação é impulsionada pela infância. Uma fase que é motivada pela criação de laços de caridade, brincadeiras, sons, leituras e escutas que formam a memória afetiva. Igualmente esse conjunto atua como primeira formação de cidadania.
Os três autores tiveram infâncias marcadas por episódios de faltas: seja de família – maternidade e paternidade ausentes ou com pouquíssimas possibilidades de acesso à dignidade. Luiz Gama foi comercializado como pessoa escravizada pelo próprio pai e sua suposta mãe Luiza Mahin se lançou na Revolta dos Malês; Lima Barreto foi o filho nascido de seus pais, após gravidezes perdidas: “filho mais velho de direito”; Carolina Maria de Jesus que também tinha descendência de uma família de escravizados – e após engravidar de seu primeiro filho, perdeu empregos e oportunidades, indo morar na favela do Canindé.
Com esse histórico de acontecimentos assinalando suas vidas, por meio de abandono/abuso e racismo, entende-se que a infância dos citados tenha sido fadada a muitos mundos imaginários. Que mesmo com todas essas circunstâncias houveram experiências de resgate.
As Bibliotecas e Salas de Leitura têm papel determinante em atuar como meio de abertura de possibilidades e oportunidades para novos escritores, leitores e criativos. A imaginação é o grande vislumbre de ideias que podem ser em algum momento concretas. E a partir de seus desdobramentos – mesmo que no campo das ideias, muitas outras ideias surgem. Por isso, a valorização de estímulos variados e multifacetados.
Escrita e Palavra
A junção de Escrita e Palavra dá-se pois os três autores tiveram em algum momento de sua juventude/vida adulta o contato com possibilidades da escrita e transformaram em palavras seus sentimentos e acontecimentos de vida. Escrita e Palavra são inseparáveis uma vez que, através do aprendizado da leitura, inspiraram os homenageados a se expressarem.
Luiz Gama, possivelmente aprendeu a ler em sua infância, tendo ouvido versos do Alcorão recitados – mesmo que em um primeiro momento não soubesse ler e escrever, por meio da oralidade se deu seu contato com uma literatura religiosa que depois foi refinada em sua juventude. Em seus empregos – funcionário público em diversas esferas e fora deles – utilizou da escrita e palavra para defender outras pessoas escravizadas ou em situação vexatória.
Lima Barreto dizia “A Literatura a quem me dediquei e com quem me casei” – era funcionário público e desdizia de muitos literatos. A trajetória marcada por internações psicológicas, foram seus momentos de escrita de seus romances, marcados por críticas sociais.
Carolina Maria de Jesus teve em sua escrita, o grande sucesso que mudou sua vida e história. O lançamento de “Quarto de Despejo” possibilitou uma reviravolta para seus filhos, e hoje reconhecidamente igualmente para a literatura brasileira. Mesmo sendo retratada em inúmeros momentos como estereotipada como uma empregada doméstica – há um esforço coletivo para também apresentá-la como multiartista: que bordava e cantava.
Em suma, Escrita e Palavra fazem parte do cotidiano mais simples, como um recado dado a um discurso, passando por uma mediação ou aula nas escolas e cursos. Com essa junção, faz-se canções, slams, contações de história, filmes e múltiplas possibilidades de narrativas.
Liberdade
O último conceito é a Liberdade, como ponta dessa grande pirâmide de narrativas e possibilidades. Os três autores foram inúmeras vezes cerceados por atravessamentos.
A Liberdade é a grande conquista de tantos corpos impossibilitados de poderem ser cidadãos e terem suas histórias reconhecidas e conhecidas. A exemplo do livro “Enciclopédia Negra” que resgata as inúmeras contribuições do povo negro – em especial aqueles que foram pessoas escravizadas e seus descendentes. Liberdade é a realização de tantos sonhos imaginados, que quando não ceifados, mas estimulados a serem concretizados podem realizar milhares de possibilidades e oportunidades.
Luiz Gama, Lima Barreto e Carolina Maria de Jesus tiveram de forma tardia seus reconhecimentos, que mesmo tendo aproveitado a fama, foi de forma conflituosa.
Porém seus feitos são colhidos até hoje, servindo de inspiração para as gerações presentes e futuras gerações.